Comorbidade entre TEA e TDAH: O que Profissionais Precisam Saber

Você já atendeu uma criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA) que parece estar em constante movimento, não consegue permanecer sentada por mais de um minuto, muda de atividade o tempo todo, interrompe, grita e parece reagir a tudo com intensidade? Ao mesmo tempo, essa criança apresenta dificuldades acentuadas de comunicação, rigidez comportamental e pouca iniciativa social. Seria apenas autismo? Ou existe algo mais coexistindo ali?

Essa cena é mais comum do que se imagina — e pode indicar a presença simultânea de dois diagnósticos: TEA e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Embora distintos, esses transtornos compartilham características comportamentais que podem confundir tanto o diagnóstico quanto a intervenção, exigindo um olhar clínico mais apurado e individualizado.

Desafios para a prática clínica

Com a publicação do DSM-5, passou a ser possível diagnosticar TEA e TDAH em comorbidade, algo que antes era excluído nos critérios formais. Essa atualização refletiu os achados da literatura científica, que demonstram que crianças com autismo podem apresentar sintomas significativos de TDAH.

Essa combinação impõe uma série de desafios práticos e teóricos:

  • Desatenção sigfnificativa e impulsividade comprometem o engajamento em sessões terapêuticas e a permanência em atividades estruturadas.
  • Hiperatividade pode ser confundida com estereotipias motoras, levando a erros de interpretação e estratégias ineficazes.
  • A sobrecarga sensorial e emocional se intensifica, afetando o sono, a alimentação, o desempenho escolar e a convivência familiar.
  • O processo diagnóstico torna-se mais complexo, já que os sintomas de um transtorno podem mascarar ou imitar os do outro.

Além disso, é comum que o TDAH se manifeste de forma precoce, ainda antes do diagnóstico formal de TEA, o que pode atrasar intervenções mais amplas e multidimensionais.

Como diferenciar e intervir com precisão

Diante dessa sobreposição, algumas diretrizes clínicas são fundamentais para o manejo adequado:

1. Avaliação detalhada e multidisciplinar

  • Explore a linha do tempo do desenvolvimento comportamental da criança: quando começaram os sinais de inquietação, impulsividade e dificuldade de foco?
  • Realize entrevistas com os pais, cuidadores e professores, buscando padrões contextuais.
  • Avalie as funções do comportamento e não apenas a forma como ele se apresenta.

2. Instrumentos clínicos específicos

  • Utilize escalas adaptadas para TEA com sintomas de TDAH, como SNAP-IV, associadas à observação direta.
  • Lembre-se: instrumentos padronizados devem ser usados como apoio, nunca como única fonte de diagnóstico.

3. Manejo medicamentoso com cautela e acompanhamento

  • Em casos indicados, o uso de psicoestimulantes (como metilfenidato) ou inibidores seletivos de recaptação de noradrenalina (como atomoxetina) pode ser eficaz para os sintomas de TDAH, mesmo em crianças com TEA.
  • É fundamental acompanhamento psiquiátrico, com ajuste individualizado da dose e monitoramento de efeitos colaterais, como agitação ou perda de apetite.

4. Intervenções comportamentais integradas

  • Combine princípios da Análise do Comportamento Aplicada (ABA) com estratégias específicas para autorregulação, reforço da atenção e treino de autocontrole.
  • Utilize sistemas visuais de organização, cronogramas estruturados e reforçadores motivacionais para promover foco e previsibilidade.
  • Trabalhe em rede com fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos e professores, integrando planos de intervenção em todos os contextos da criança.

Reflexão importante!

A presença simultânea de TEA e TDAH não é rara — pelo contrário, é um perfil clínico comum que exige abordagem refinada, empática e interdisciplinar. Ignorar essa comorbidade pode levar a estratégias terapêuticas ineficazes, frustração das famílias e sobrecarga de profissionais.Reconhecer e diferenciar os sinais dos dois transtornos é o primeiro passo para promover avanços reais. O diagnóstico correto permite planejar intervenções mais eficazes, reduzir comportamentos desafiadores e ampliar o desenvolvimento global da criança.

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