A inclusão escolar de estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um direito assegurado por lei. No entanto, sua implementação real nas escolas continua repleta de desafios, principalmente quando não há suporte técnico adequado às equipes pedagógicas. Nesse cenário, os profissionais de saúde — como psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e médicos — têm um papel fundamental: atuar como mediadores do conhecimento clínico junto ao contexto escolar, ajudando a construir práticas educativas que respeitem as singularidades e potencializem o desenvolvimento do aluno autista.
Essa atuação, no entanto, vai muito além de enviar relatórios ou diagnósticos. Envolve diálogo contínuo, trocas construtivas, escuta ativa e a construção de uma linguagem comum entre saúde e educação — algo que nem sempre acontece de forma natural. Muitas escolas sentem-se desamparadas, enquanto profissionais da saúde, por sua vez, enfrentam dificuldades em se comunicar com o ambiente escolar de forma acessível, respeitosa e colaborativa.
O que o profissional de saúde pode (e deve) oferecer à escola?
O primeiro ponto é reconhecer que a escola não deve ser tratada como uma extensão da clínica. A lógica pedagógica é distinta da lógica terapêutica, e é justamente por isso que o diálogo entre as duas áreas é tão necessário. Cabe ao profissional de saúde oferecer subsídios sobre o funcionamento neurológico, sensorial, emocional e comunicacional da criança com TEA, de forma clara, aplicada e sem jargões técnicos, para que os educadores possam compreender o comportamento do aluno em sala e adaptar suas práticas com mais segurança.
Isso pode ser feito por meio de reuniões periódicas com a equipe pedagógica, construção de planos de intervenção educacional compartilhados, orientações escritas com sugestões práticas para o dia a dia escolar (rotinas visuais, estratégias de regulação, formas de comunicação), e escuta das dificuldades dos professores. Quando há abertura, visitas institucionais à escola também podem ser valiosas para observar o ambiente e alinhar expectativas.
Além disso, o profissional pode atuar como elo entre escola e família, auxiliando na mediação de conflitos, na construção de expectativas realistas e na tradução de condutas clínicas em ações pedagógicas possíveis.
Dicas práticas para orientar escolas de forma efetiva:
Para que a contribuição do profissional da saúde seja objetiva e aplicável no contexto escolar, é útil sistematizar orientações em tópicos claros. Veja abaixo cinco aspectos fundamentais que podem guiar esse processo:
- Rotinas visuais: sugerir o uso de quadros com imagens sequenciais que representem a rotina diária da sala, ajudando o aluno a antecipar o que virá e se organizar melhor.
- Atenção ao ambiente sensorial: recomendar ajustes simples, como uso de abafadores de ruído, iluminação indireta e espaços de regulação emocional.
- Comunicação adaptada: orientar o uso de sinais, gestos, pictogramas ou pranchas simples como suporte à linguagem verbal.
- Flexibilidade nas demandas: ajudar os professores a compreender que a participação do aluno pode ocorrer de diferentes formas — e que não responder da “forma esperada” não significa recusa ou desinteresse.
- Construção de vínculo: valorizar o afeto, a previsibilidade e a confiança como pilares do processo educativo com o estudante autista.
Como fortalecer esse diálogo?
A construção de uma parceria real entre saúde e educação exige que o profissional da saúde se posicione com humildade, empatia e abertura. Não se trata de “ensinar” os professores a lidar com o autismo, mas de compartilhar perspectivas que os ajudem a entender melhor o aluno e se sentirem mais seguros para lidar com ele no cotidiano.
Evitar julgamentos, oferecer estratégias ajustadas à realidade da escola, valorizar o esforço da equipe e reconhecer que nem tudo pode ser implementado imediatamente são atitudes que fortalecem o vínculo e tornam o profissional um aliado — não um fiscal.
Outro ponto fundamental é respeitar a autonomia da escola e o lugar da criança como sujeito de direitos e aprendizagens. A clínica não pode impor metas, técnicas ou estratégias sem dialogar com os objetivos pedagógicos e as necessidades do ambiente escolar.
Você está construindo pontes ou muros entre a saúde e a educação?
O sucesso da inclusão escolar não depende apenas da escola — depende da capacidade dos profissionais de saúde de sair dos seus muros institucionais e contribuir, de forma ativa e sensível, para o cotidiano das salas de aula.
O estudante com TEA não vive separado entre “a criança da escola” e “o paciente da clínica”. Ele é um só. E só poderá ser cuidado de forma integral quando essas esferas deixarem de trabalhar isoladamente.
Você está pronto para se tornar um facilitador desse encontro?