O aumento do número de diagnósticos de Transtorno do Espectro Autista (TEA) nas últimas décadas tem despertado a atenção de profissionais da saúde para a importância da identificação precoce e do manejo terapêutico qualificado. No entanto, muitos especialistas ainda enfrentam dificuldades para reconhecer sinais clínicos do autismo, aplicar protocolos baseados em evidências e se manter atualizados quanto às melhores práticas de intervenção.
Neste cenário, a formação profissional se torna um ponto central de discussão. Como preparar adequadamente psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, pedagogos e fisioterapeutas para uma atuação ética, sensível e tecnicamente fundamentada no cuidado a pessoas com TEA?
Formação inicial: lacunas persistentes
A maioria dos cursos de graduação na área da saúde ainda oferece uma abordagem limitada sobre o autismo. Em muitas universidades, o tema é tratado de forma superficial, como parte de disciplinas amplas sobre desenvolvimento atípico ou transtornos do neurodesenvolvimento. Isso faz com que recém-formados entrem no mercado com pouca segurança e sem conhecimentos específicos sobre avaliação diagnóstica, elaboração de planos terapêuticos individualizados e articulação interdisciplinar.
Atualização contínua: entre a necessidade e a dificuldade
Mesmo profissionais experientes relatam desafios para acompanhar a evolução das pesquisas e diretrizes clínicas sobre o TEA. O acesso a cursos de extensão, especializações ou grupos de estudo nem sempre é viável, seja por barreiras financeiras, falta de tempo ou escassez de formações de qualidade. Além disso, a ausência de políticas institucionais de educação permanente reforça a sensação de despreparo.
Práticas baseadas em evidências: do conceito à aplicação
Apesar do consenso sobre a importância de práticas baseadas em evidências, muitos profissionais ainda desconhecem como aplicá-las no cotidiano clínico. A Análise do Comportamento Aplicada (ABA), por exemplo, é amplamente reconhecida como uma abordagem eficaz, mas ainda é alvo de resistência ou má interpretação por falta de aprofundamento teórico-prático.
O papel da supervisão e do trabalho interdisciplinar
A formação contínua também depende de espaços de supervisão qualificada e trocas entre diferentes áreas do saber. Ambientes de trabalho que valorizam o diálogo entre psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, pedagogos e médicos tendem a promover intervenções mais integradas, centradas na pessoa e em seus contextos.
Caminhos possíveis para o fortalecimento da formação
- Revisão dos currículos universitários, com inclusão de disciplinas específicas sobre TEA e estágios supervisionados em contextos clínicos e educacionais.
- Estímulo à formação interprofissional, com incentivo a projetos de extensão e residências multiprofissionais.
- Oferta de cursos acessíveis e baseados em evidências, promovidos por instituições sérias e comprometidas com a ciência.
- Criação de políticas de educação permanente nos serviços públicos e privados, assegurando tempo e recursos para a capacitação dos profissionais.
Considerações importantes!
Investir na formação de quem cuida é investir no futuro de inúmeras pessoas que vivem com o Transtorno do Espectro Autista. Cada profissional bem preparado representa uma nova possibilidade de acolhimento, desenvolvimento e inclusão. Mas essa jornada não precisa – nem deve – ser solitária.
Formar-se para atuar com TEA é um compromisso que vai além do conhecimento técnico: é também um ato de coragem, empatia e constante reinvenção. Ao reconhecer nossas lacunas e buscar caminhos para superá-las, estamos não só fortalecendo nossa prática, mas também transformando realidades.
Que este chamado à reflexão sirva como convite para o movimento: que mais instituições priorizem a capacitação de suas equipes, que mais profissionais se sintam apoiados em seus percursos e que, juntos, possamos construir uma rede de cuidado cada vez mais humana, ética e baseada em evidências.