Como Prevenir e Manejar Crises Sensoriais no Consultório

Para muitos profissionais de saúde, o encontro com uma crise sensorial durante o atendimento a uma pessoa autista é um momento de tensão. O desconhecimento sobre como agir, somado à falta de preparo do ambiente clínico, frequentemente transforma uma situação sensível em uma experiência traumática — tanto para o paciente quanto para o profissional. No entanto, crises sensoriais não são raridades: são manifestações legítimas, frequentes e previsíveis quando compreendidas no contexto das alterações no processamento sensorial que fazem parte do Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Pessoas com TEA podem apresentar hipersensibilidades sensoriais a estímulos auditivos, visuais, táteis, olfativos e proprioceptivos. Um simples ruído de aparelho, o reflexo de luz fluorescente ou o toque de uma luva podem ser interpretados como uma ameaça pelo sistema nervoso dessas pessoas. A crise sensorial ocorre quando há sobrecarga desses estímulos: o organismo entra em estado de defesa, gerando comportamentos como agitação intensa, gritos, fuga, autoagressão ou, em alguns casos, imobilidade total. Esses comportamentos, muitas vezes lidos como “birra” ou “indisciplina”, são, na verdade, sinais de sofrimento extremo.

Compreender isso exige que o profissional de saúde assuma uma postura proativa e empática. O primeiro passo é reconhecer que o ambiente clínico, tal como é convencionalmente estruturado, costuma ser inadequado para pessoas com TEA. Luzes fortes, odores intensos de materiais de limpeza, barulho de equipamentos e longos tempos de espera em locais cheios são apenas alguns dos gatilhos sensoriais mais comuns. A modificação consciente do ambiente, mesmo que com recursos simples, já pode ter efeitos significativos. Reduzir a iluminação direta, eliminar ruídos desnecessários, manter um espaço mais organizado visualmente e garantir um local mais tranquilo para o atendimento são medidas fundamentais.

Antes mesmo da consulta, é recomendável que o profissional dialogue com a família ou cuidador para mapear possíveis gatilhos sensoriais específicos do paciente. Informações como a necessidade de usar protetores auriculares, o uso de objetos de conforto (como brinquedos sensoriais ou mantas), ou mesmo o tipo de toque tolerado podem ajudar a criar um protocolo individualizado de atendimento. Também é importante explicar, com antecedência e de forma visual quando possível, cada etapa do que será realizado, reduzindo o fator surpresa e aumentando a previsibilidade.

Caso a crise sensorial ocorra durante o atendimento, a conduta do profissional deve priorizar a segurança e o acolhimento. Manter a calma, evitar contenções físicas e afastar estímulos são atitudes essenciais. Sempre que possível, leve o paciente a um ambiente mais silencioso e escuro. Não tente interagir verbalmente de forma insistente, pois a linguagem oral muitas vezes é bloqueada durante a crise. A presença de alguém de confiança, o uso de estímulos reguladores previamente conhecidos e a ausência de julgamento são os pilares da contenção emocional nesse momento.

É fundamental também compreender que a crise sensorial pode ser intensificada ou até mesmo provocada por limitações na comunicação funcional. Quando a pessoa não consegue expressar verbalmente sua dor, medo, desconforto ou cansaço, ela recorre à linguagem do corpo para se fazer entender. Nesses casos, o comportamento é comunicação. E o profissional que ignora essa possibilidade corre o risco de interpretar erroneamente o que, na verdade, é uma tentativa legítima de expressão.

Assim, torna-se urgente que equipes de saúde integrem o conhecimento sobre processamento sensorial e comunicação alternativa às suas práticas cotidianas. A criação de protocolos de acolhimento sensorial, o treinamento de recepcionistas e assistentes, a elaboração de roteiros visuais e a disponibilização de recursos sensoriais básicos devem deixar de ser exceções para se tornarem práticas-padrão no atendimento a pessoas com TEA.

O que você está fazendo hoje para tornar seu espaço de atendimento mais acessível sensorialmente?

As crises sensoriais não são falhas do paciente, mas sim um alerta de que o ambiente e a abordagem precisam ser revistos. Quando profissionais da saúde reconhecem isso e se responsabilizam por adaptar sua prática, tornam-se não apenas prestadores de serviço, mas agentes reais de inclusão. Transformar o cuidado começa por escutar o que o corpo do paciente já está dizendo — mesmo que em silêncio.

A formação técnica precisa ser acompanhada por uma escuta sensível e um desejo genuíno de se atualizar. Porque acessibilidade sensorial não é um favor: é um direito. E garantir esse direito é um compromisso que começa com a sua escolha diária de acolher, aprender e transformar.

Compartilhe!