Entendendo a Saúde Mental na População Adulta com TEA

Durante décadas, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) foi amplamente tratado como uma condição da infância. Esse viés reducionista apagou a vivência de milhares de adultos autistas, cujas necessidades, singularidades e desafios permanecem pouco compreendidos — inclusive pelos profissionais de saúde. À medida que cresce o número de diagnósticos em adultos, emerge também a urgência de compreender como o TEA impacta a saúde mental ao longo da vida.

A invisibilidade do autismo na vida adulta está diretamente relacionada ao desconhecimento dos profissionais sobre os perfis mais sutis, à falta de políticas públicas específicas e ao estigma social. Muitos adultos autistas passam décadas sendo tratados apenas por suas comorbidades — como depressão, ansiedade, burnout, transtornos alimentares ou ideação suicida — sem que o autismo subjacente seja identificado.

TEA e saúde mental: uma relação complexa e subestimada

A literatura científica tem demonstrado que adultos com TEA apresentam maior prevalência de condições como transtorno de ansiedade generalizada, depressão maior, transtornos obsessivo-compulsivos e risco aumentado de ideação suicida. Em muitos casos, esses quadros são intensificados pela experiência de inadequação social, exclusão, dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, falta de rede de apoio e histórico de invalidação emocional desde a infância.

Além disso, é comum que o sofrimento psíquico em adultos autistas seja desconsiderado ou mal interpretado pelos próprios serviços de saúde. Muitos profissionais, sem formação adequada, tendem a minimizar queixas emocionais ou atribuí-las exclusivamente ao traço do espectro, negligenciando intervenções psicoterapêuticas, psiquiátricas ou socioassistenciais adequadas.

Outro ponto crítico é o diagnóstico tardio. Muitas pessoas só descobrem que são autistas na vida adulta, geralmente após um processo de busca pessoal motivado por sofrimento psicológico crônico, burnout, fracassos terapêuticos ou identificação com o relato de outros autistas. O diagnóstico, embora libertador para muitos, também pode trazer uma avalanche de questões identitárias, reinterpretações da vida pregressa e sentimentos ambíguos — o que demanda suporte especializado e sensível.

O que o profissional de saúde precisa considerar?

A abordagem da saúde mental em adultos autistas exige uma escuta clínica atenta, livre de estigmas e atualizada em relação à neurodiversidade. Isso inclui reconhecer que a experiência emocional autista pode diferir da média — tanto na forma como o sofrimento é vivido quanto na maneira como é expresso. Sintomas internalizantes podem se manifestar de forma atípica, e a ausência de habilidades comunicativas tradicionais pode dificultar a verbalização do sofrimento psíquico.

O uso de protocolos rígidos, a desconsideração da sensorialidade ou o uso de abordagens capacitistas podem gerar retraimento, desconfiança e abandono de tratamento. Ao contrário, acolher o paciente adulto autista com respeito à sua forma de ser, adaptar o espaço e o ritmo do atendimento, e incluir sua vivência na construção terapêutica são caminhos fundamentais para o cuidado em saúde mental.

Importante destacar que o cuidado não deve se limitar à intervenção clínica individual. Muitos dos fatores que comprometem a saúde mental de adultos autistas são estruturais: desemprego, isolamento social, preconceito, falta de serviços específicos, ausência de políticas públicas. O papel do profissional é também atuar como articulador de redes de cuidado, orientando sobre direitos, serviços, grupos de apoio e estratégias de inclusão.

Quantos adultos autistas estão sendo tratados por depressão, ansiedade ou “transtornos de personalidade” sem que seu autismo tenha sido reconhecido?

Como profissional da saúde, você tem a chance — e a responsabilidade — de romper o ciclo de invisibilização. Isso começa com o conhecimento técnico, mas exige também uma postura ética de escuta, humildade e respeito à neurodiversidade.

A saúde mental na vida adulta autista não é uma questão marginal — é central. E só poderá ser enfrentada com seriedade se os profissionais se dispuserem a sair da zona de conforto e ampliar seu repertório clínico. Você está disposto a enxergar o que durante tanto tempo foi silenciado?

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